quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Quarta-feira de Cinzas

"Na última noite do Psicodália, bandas curitibanas foram as responsáveis por deixar todo mundo com um gostinho de quero mais"


Lama, a loucura de sempre e apresentações memoráveis. Foi essa, basicamente, a tônica do Psicodália, um dos maiores festivais do país, que tomou corpo entre os últimos dias 28 de dezembro e 2 de janeiro, em Santa Catarina. Entre crianças e senhores de meia idade, espalhados pelos campings e áreas de convivência, estava gente de todos os cantos do país. É bem verdade que cada um trazia consigo a sua própria perspectiva em relação a tudo aquilo, mas o coro uníssono por diversão e momentos de catarse parecia partir de todos os presentes.

Com a exibição de alguns filmes, oficinas artísticas e atividades semelhantes, o Psicodália mostrou-se, mais uma vez, muito fiel à sua proposta essencial, não limitando-se à música como a sua única razão de existir. No entanto, não há como ignorar o peso que as atrações “chave” voltaram a representar para o festival este ano, tal qual já acontecera nas edições anteriores. A energia de Alceu Valença tocando o seu conceitual “Vivo!” (acrescido ainda, no bis, por outras canções muito marcantes da carreira do brilhante pernambucano) foi o primeiro carro forte do Psicodália a estacionar no seu palco principal. No dia seguinte, Os Mutantes retomaram a sua formação do disco “Tudo Foi Feito Pelo Sol” para a apresentação do mesmo – num show que chegou a chocar, pela emoção sublime que tomou conta da grande tenda. E por fim, o magistral Hermeto Pascoal, do alto de sua realeza musical, saudou o primeiro dia de 2013 da melhor maneira possível.

Seria de uma ignorância tremenda, porém, resumir os pontos altos do Psicodália às suas três apresentações mais aguardadas. Graças, ainda, a outros inúmeros artistas, o público que se fez presente ao festival não pôde reclamar pela falta de boa música. Rostos novos, velhos, (quase) anônimos e conhecidos fizeram sons de todos os jeitos, de todas as formas, e que remetiam à identificação cultural das mais diversas regiões do Brasil. E para aqueles que têm na atual cena musical curitibana o seu habitat, a sensação de “estar em casa” foi notória. A grande quantidade (do figurão Plá até à “pirata” Confraria da Costa) de bandas radicadas aqui presentes ao Psicodália, aliada à quente recepção dos “psicodalianos”, diga-se de passagem, nos fez quebrar a cabeça quando pensamos nas tantas portas fechadas aos artistas – músicos, ou não – em nossa própria cidade. Mas como o objetivo aqui não é puxar para baixo um astral tão alto, emanado dos campos verdes da Fazenda Evaristo – local sede do evento – que reste a menção à ótima impressão deixada pelas “nossas” bandas e que, sim, lá tiveram espaço e voz.

Um dos cantos mais concorridos nas noites do Psicodália, era a estrutura forte apache do Saloon. Uma vez encerradas as apresentações no Palco Sol e no Palco Psicodália, era para lá que o povo rumava, ao invés se entregar ao cansaço. Ali ficava o Palco dos Guerreiros, que de vez em vez ditava o ritmo para as últimas cartadas da noite, escancarando a proximidade entre artistas e público – lembrando, desta maneira, alguns dos mais conhecidos espaços físicos do underground curitibano. E foi justamente no Saloon onde boa parte daquelas almas flutuantes se aglomerou, na noite derradeira do evento – caprichosamente “caída” numa terça-feira. Mal começou o ano, portanto, e lá estávamos, todos nós, prestes a conhecer, também, a nossa primeira Quarta-feira de Cinzas. Horas depois já seria momento de levantar acampamento, e ver a carruagem virar abóbora de novo. Logo, cair de cabeça na última programação noturna do Psicodália era tudo que nos restava.

E foram, justamente, duas bandas de Curitiba que estiveram em ação nos dois shows daquela noite. Primeiro foi a vez da Pão de Hamburger mostrar o seu trabalho, e não deixar ninguém parado por ali, com uma música honesta e sem qualquer tipo de enfeites. E em seguida veio O Trilho, que tem no “front” um vocal feminino daqueles, respondido por Fabiola Malerba. Fosse em frente ao palco, fosse nos fundos do Saloon, a agitação era grande e entregava o quão todas aquelas pessoas estavam curtindo o “barulho”. E em ambos os casos não se tratava de qualquer som mais complexo, de difícil absorção. Pelo contrário: era, tão somente, o bom e velho róquenrou. Róquenrou este que teria lugar, perfeitamente, em inúmeros – badalado$ - espaços de entretenimento de Curitiba, ainda não oportunizados à nossa musica autoral. Motivando a problemática há diversos fatores, que fervem juntos neste caldeirão de falta de espaço e reconhecimento, na cena musical curitibana.

Entre uma bera e outra, contemplávamos as últimas movimentações do show da Pão de Hamburguer. Anunciou-se no microfone, então, um título vindo do precioso “Loki”, de Arnaldo Baptista. A música? “Será Que Eu Vou Virar Bolor?”, uma das retóricas maravilhosamente confunsas, do gênio mutante. Àquela altura do campeonato nossa cabeça já não estava muito apta a reflexões, e nem era esse o nosso real desejo no momento. Mas, em razão de todo o supracitado, aquele impactante refrão, caprichosamente ecoado por uma interrogação, pedia uma resposta. Será que eles, ali, na figura dos nossos artistas, iriam, ou vão, virar bolor algum dia? O “não” vem de imediato, e cheio de certeza. A nossa música jamais irá virar bolor. E se o contrário for a ordem de discurso nas tabernas da província, por favor, sem desespero. Afinal de contas, reza a lenda que há, nos emaranhados de Rio Negrinho, uma fazenda onde se encontra, dentre outras cositas más, música curitibana, da melhor qualidade.

Pão de Hamburguer - soundcloud.com/paodehamburguer

O Trilho - www.myspace.com/otrilho
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