"Na última
noite do Psicodália, bandas curitibanas foram as responsáveis por
deixar todo mundo com um gostinho de quero mais"
Lama, a
loucura de sempre e apresentações memoráveis. Foi essa,
basicamente, a tônica do Psicodália, um dos maiores festivais do
país, que tomou corpo entre os últimos dias 28 de dezembro e 2 de
janeiro, em Santa Catarina. Entre crianças e senhores de meia idade,
espalhados pelos campings e áreas de convivência, estava gente de
todos os cantos do país. É bem verdade que cada um trazia consigo a
sua própria perspectiva em relação a tudo aquilo, mas o coro
uníssono por diversão e momentos de catarse parecia partir de todos
os presentes.
Com a
exibição de alguns filmes, oficinas artísticas e atividades
semelhantes, o Psicodália mostrou-se, mais uma vez, muito fiel à
sua proposta essencial, não limitando-se à música como a sua única
razão de existir. No entanto, não há como ignorar o peso que as
atrações “chave” voltaram a representar para o festival este
ano, tal qual já acontecera nas edições anteriores. A energia de
Alceu Valença tocando o seu conceitual “Vivo!” (acrescido ainda,
no bis, por outras canções muito marcantes da carreira do brilhante
pernambucano) foi o primeiro carro forte do Psicodália a estacionar
no seu palco principal. No dia seguinte, Os Mutantes retomaram a sua
formação do disco “Tudo Foi Feito Pelo Sol” para a
apresentação do mesmo – num show que chegou a chocar, pela emoção
sublime que tomou conta da grande tenda. E por fim, o magistral
Hermeto Pascoal, do alto de sua realeza musical, saudou o primeiro
dia de 2013 da melhor maneira possível.
Seria de
uma ignorância tremenda, porém, resumir os pontos altos do
Psicodália às suas três apresentações mais aguardadas. Graças,
ainda, a outros inúmeros artistas, o público que se fez presente ao
festival não pôde reclamar pela falta de boa música. Rostos novos,
velhos, (quase) anônimos e conhecidos fizeram sons de todos os
jeitos, de todas as formas, e que remetiam à identificação
cultural das mais diversas regiões do Brasil. E para aqueles que têm
na atual cena musical curitibana o seu habitat, a sensação de
“estar em casa” foi notória. A grande quantidade (do figurão
Plá até à “pirata” Confraria da Costa) de bandas radicadas
aqui presentes ao Psicodália, aliada à quente recepção dos
“psicodalianos”, diga-se de passagem, nos fez quebrar a cabeça
quando pensamos nas tantas portas fechadas aos artistas – músicos,
ou não – em nossa própria cidade. Mas como o objetivo aqui não é
puxar para baixo um astral tão alto, emanado dos campos verdes da
Fazenda Evaristo – local sede do evento – que reste a menção à
ótima impressão deixada pelas “nossas” bandas e que, sim, lá
tiveram espaço e voz.
Um dos
cantos mais concorridos nas noites do Psicodália, era a estrutura forte apache do Saloon. Uma vez encerradas as
apresentações no Palco Sol e no Palco Psicodália, era para lá que
o povo rumava, ao invés se entregar ao cansaço. Ali ficava o Palco
dos Guerreiros, que de vez em vez ditava o ritmo para as últimas
cartadas da noite, escancarando a proximidade entre artistas e
público – lembrando, desta maneira, alguns dos mais conhecidos
espaços físicos do underground curitibano. E foi justamente no
Saloon onde boa parte daquelas almas flutuantes se aglomerou, na
noite derradeira do evento – caprichosamente “caída” numa
terça-feira. Mal começou o ano, portanto, e lá estávamos, todos
nós, prestes a conhecer, também, a nossa primeira Quarta-feira de
Cinzas. Horas depois já seria momento de levantar acampamento, e ver
a carruagem virar abóbora de novo. Logo, cair de cabeça na última
programação noturna do Psicodália era tudo que nos restava.
E foram,
justamente, duas bandas de Curitiba que estiveram em ação nos dois
shows daquela noite. Primeiro foi a vez da Pão de Hamburger mostrar
o seu trabalho, e não deixar ninguém parado por ali, com uma música
honesta e sem qualquer tipo de enfeites. E em seguida veio O Trilho,
que tem no “front” um vocal feminino daqueles, respondido por
Fabiola Malerba. Fosse em frente ao palco, fosse nos fundos do
Saloon, a agitação era grande e entregava o quão todas aquelas
pessoas estavam curtindo o “barulho”. E em ambos os casos não se
tratava de qualquer som mais complexo, de difícil absorção. Pelo
contrário: era, tão somente, o bom e velho róquenrou. Róquenrou
este que teria lugar, perfeitamente, em inúmeros – badalado$ -
espaços de entretenimento de Curitiba, ainda não oportunizados à
nossa musica autoral. Motivando a problemática há diversos fatores,
que fervem juntos neste caldeirão de falta de espaço e
reconhecimento, na cena musical curitibana.
Entre uma
bera e outra, contemplávamos as últimas movimentações do show da
Pão de Hamburguer. Anunciou-se no microfone, então, um título
vindo do precioso “Loki”, de Arnaldo Baptista. A música? “Será
Que Eu Vou Virar Bolor?”, uma das retóricas maravilhosamente
confunsas, do gênio mutante. Àquela altura do campeonato nossa
cabeça já não estava muito apta a reflexões, e nem era esse o
nosso real desejo no momento. Mas, em razão de todo o supracitado,
aquele impactante refrão, caprichosamente ecoado por uma
interrogação, pedia uma resposta. Será que eles, ali, na figura
dos nossos artistas, iriam, ou vão, virar bolor algum dia? O “não”
vem de imediato, e cheio de certeza. A nossa música jamais irá
virar bolor. E se o contrário for a ordem de discurso nas tabernas
da província, por favor, sem desespero. Afinal de contas, reza a
lenda que há, nos emaranhados de Rio Negrinho, uma fazenda onde se
encontra, dentre outras cositas más, música curitibana, da melhor
qualidade.
Pão de Hamburguer - soundcloud.com/paodehamburguer
O Trilho - www.myspace.com/otrilho
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O Trilho - www.myspace.com/otrilho